terça-feira, 7 de abril de 2015

Panorama do VII Festac por Kil Abreu


Kil Abreu[i]

Confirmamos aqui a impressão de entrada: sem dúvida a primeira qualidade do VII Festival de teatro do Acre foi a sua própria insistência em existir diante de circunstâncias que desaconselhavam esta edição (a cheia histórica que atingiu Rio Branco e outras cidades e as suas graves consequências sociais). Por isso devemos todos os aplausos para o pessoal da Fetac, que organizou e colocou de pé o evento, aos patrocinadores entre os quais governos e empresas públicas, que concordaram com o argumento de que não seria hora para a prostração, mas para a sinalização simbólica da resistência; aos grupos de teatro, os de Rio Branco como também os de outros Estados, que não mediram esforços para estar na cidade; e, enfim, ao público que compareceu regularmente e em número expressivo a ponto de referendar e vitalizar o Festival.

Rua como eixo forte

Um primeiro núcleo na grade diz sobre os espetáculos apresentados nas ruas. Em que pese o acompanhamento permanente da natureza (a chuva), que aqui e ali fez as apresentações mudarem de endereço, foi animador perceber como a cena de rua ganhou espaço no Festival. E a sua repercussão junto a uma plateia que muitas vezes não foi voluntariamente na direção do teatro, mas que viu o teatro atravessar o caminho. E com ele ficou.
Nesta área foi recorrente o cômico como gênero, em muitas variações. A acreana Cia. Visse versa apresentou, com bom rendimento, uma alentadora versão brasileiríssima e amazônica para uma dramaturgia criada a partir de Moliére (As mulheres de Moliére). Na sequência o campo foi tomado pelos palhaços, em montagens baseadas nas gags e entradas tradicionais, cuja estrutura e efeito, livres, cativaram o público que compareceu ao Mercado Velho (Sem fonia musical , da Yepocá Cia de teatro, MG; e Números, com a Cia. Os palhaços de rua, PR). Houve ainda duas cenas de mamulengo, uma com poderoso efeito de comunicação nas mãos de um mestre do ofício (Danilo Cavalcante em A folia no terreiro de seu Mané Pacaru); e a outra, relativamente prejudicada pelo deslocamento para dentro do mercado, mas da qual se pôde mesmo assim perceber o resultado de uma pesquisa de linguagem importante (Vade retro – a história do homem que vendeu a alma ao diabo e quase perdeu o seu amor, com o Núcleo do Olho). E, para fechar o bloco, um espetáculo próximo à cena de intervenção política mais frontal: Banalidade, com o paulistano Coletivo Território B. Foi um bom contraponto, em chave engajada, que dimensionou a tragédia de Pinheirinho, em São Paulo, à luz de um quadro mais amplo, que é o das relações de poder, mando e submissão que vivemos historicamente e que aqui e ali ganham expressão nos lances dramáticos da luta social, como este que a companhia mostrou.


Espetáculos de sala

A transição rua-sala sem dúvida pode ser vista no trabalho do BR S/A Coletivo de artistas, do DF, (Entre) cravos e lírios. Também inspirado em números de palhaços, os clowns da companhia brasiliense foram ao palco tentando costurar uma dramaturgia mais redonda que as anteriores, com circunstâncias e desenvolvimento mais determinados. Foram menos felizes nesse aspecto que no jogo livre que se estabeleceu entre os dois intérpretes, Ana Vaz e Denis Camargo.

Em registro dramático e tendo como fundo as histórias de mulheres (ou que envolvem as forças e dramas do feminino), o festival exibiu: As mulheres do aluá (O Imaginário, de Rondônia). Em um projeto original, dedicado a investigar as histórias de mulheres que por um ou outro motivo foram criminalizadas, o espetáculo ganhou uma dedicada defesa cênica do grupo rondoniense. Com encenação que se torna melhor sempre que foge do esquemático é montagem que chama a atenção pela escolha do tema, que mostra a maneira interessada e valiosa como o grupo está observando a paisagem humana do seu entorno.

Em A Feira o GPT (AC) tinha a tarefa de fazer verossímil a história de uma mãe que, na miséria e na doença, vê o filho perdido e a filha entregue à prostituição. O painel social escrito por Lourdes Ramalho careceu de encenação mais orgânica, em que pese os esforços de reunião e manutenção de uma equipe numerosa, que certamente não sem esforços manteve o espetáculo de pé. 

Já para o encerramento os organizadores escolheram o bem cuidado Solamente Frida (Garotas marotas, AC, e Teatro de los Andes). Igualmente uma trajetória de mulher latina, agora sob a narrativa de vida, em primeira pessoa, da grande artista mexicana encarnada por Clarisse Baptista. Se por um lado certa dificuldade na dinâmica cênica fez diferença na apresentação, por outro a bela visualidade pensada pelo diretor e cenógrafo Gonzalo Callejas compensou em parte, com um presente para os olhos, o andamento nem sempre fácil da encenação. 

Fora da ordem

Entre as montagens cujas coordenadas de linguagem representaram, cada qual a seu modo, exceções e experimentações com ou por fora das formas tradicionais, o Festival apresentou: Vis- à- vis (Pró-posição, SP), em que mãe e filha (Andréia Nhur e Janice Vieira) inventaram uma bonita sincronia que só pode vir a ser no campo da arte, quando uma dança com planos e perspectivas estéticas, políticas, existenciais e históricas por vezes diferentes são recuperadas em um mesmo movimento poético. 

Com uma narrativa também fora da ordem, o Macaco prego da macaca (AC) levou ao palco, em Organismo, uma coleção de fragmentos entre o lírico e o malcriado, entre as beiradas do grotesco e o olhar para o depoimento íntimo. Uma operação parecida com o que a Cia. Novo Ato, de Goiás, pretendeu fazer em Drummond 4 tempos, no qual entretanto o material de origem buscado nos baús do grande poeta mineiro não ganharam consequência estética, nem o efeito esperado para uma cena que salvo engano se pretendia também iconoclasta.

Crianças

Na cena para crianças sobressaiu-se Decripolou Totepou, o solo palhacístico de Odília Nunes, que enterneceu a plateia e mostrou ótimo domínio dos instrumentos de linguagem do clown. Outra boneca veio à cena em Memórias de Emília, com a Trupe do Banzeiro (AC), não tão autônoma e ainda decalcada menos na literatura de Monteiro Lobato em si que nas suas versões musicais e televisivas. Por fim, a Ciranda da leitura (AC) mostrou a sua versão de Chapeuzinho vermelho em que, descontada a despretensão artística, acabou ganhando efeito por meio da simplicidade cênica.

O Festival em perspectiva
Um aspecto relevante nesta edição do Festac é perceber o quanto se pôde mobilizar com recursos relativamente modestos. O que deveria sinalizar não a ideia de que se pode fazer muito com poucos recursos – porque certamente o quadro atual exigiu sacrifícios – mas, que com mais recursos o festival pode ser tornar referência para a cena nacional em uma região onde ainda são raras as referências teatrais. 

Caberia aos patrocinadores atuais e futuros tomar o Festac como palco de uma mobilização para além do ‘evento’, considerando além do seu precioso espaço para a apresentação de espetáculos locais e de fora, toda a potência formativa que ele contém – para os artistas de teatro de Rio Branco mas também para toda a população da cidade, que pode acompanhar uma cena diversa. 

Um olhar formado na arte/pela arte terá sempre maior chance de se tornar um olhar ‘mais humano’ e mais ciente do seu próprio lugar no mundo.

VII FESTAC / Mostra Semana do Teatro 2015 é uma realização da Federação de Teatro do Acre - FETAC e tem patrocínio da CAIXA  / GOVERNO FEDERAL, pelo programa Caixa Cultural de Apoio a Festivais de Teatro e Dança, com parcerias do Governo do Estado do Acre através da Fundação Elias Mansour – FEM, Fundo Estadual de Cultura - FUNCULTURA, PRECULT e Via Verde Shopping, além do apoio da Pizzaria Guia do Sabor, Marcenaria Sulatina, Jornal Opinião e Prefeitura de Rio Branco pela Fundação Garibaldi Brasil – FGB.








[i] Kil Abreu é jornalista, crítico e pesquisador do teatro. Pós graduado em artes pela Universidade de São Paulo (USP), foi crítico do jornal Folha de São Paulo e jurado do Premio Shell de teatro por oito anos. Atualmente é curador de teatro do Centro Cultural São Paulo e colaborador do Teatrojornal: www.teatrojornal.com.br  

Crítica – Chapeuzinho vermelho (Cia. Ciranda de Leitura/AC)


Lições de Chapeuzinho


Kil Abreu

Não são poucas as leituras sobre o universo dos contos de fadas – desde as que investigam neles relações subliminares de gênero e de poder até as que, no campo da psicanálise, verificam a pertinência dos seus campos simbólicos em relação a temas como a sexualidade (Marilena Chauí) e moral (Bruno Bettelheim). Em qualquer caso é uma literatura quase sempre tomada como ponto de partida para algo que está além dela – em todas estas e ainda outras direções possíveis.

A esquete da Cia. Ciranda de leitura se ancora em uma destas direções. Projeto nascido para ser apresentado fundamentalmente no contexto da formação escolar, carrega a um só tempo a despretensão formal se o ponto de vista for estritamente estético, ao lado de um frescor que talvez derive daí mesmo, deste relativo descompromisso com as questões ‘artísticas’, para que seja dada melhor ênfase nas questões pedagógicas.

Quanto ao primeiro eixo, de fato a cena é mais que uma leitura de texto e menos que um espetáculo. De uma exposição bastante didática, que mimetiza o conto através da representação, se poderia reclamar soluções cênicas mais inventivas, pois sob um olhar mais exigente as que o grupo alcança são relativamente pueris. Por exemplo, o cenário que só serve plenamente a uma parte da narrativa; as interpretações elementares dos personagens, entre outras coisas. A compensação vem através da limpeza, da clareza narrativa e, mais importante, da empatia que esta alcança junto aos pequenos. Uma cena formalmente simples, pois, que entretanto não deixa de ter bom efeito teatral.

Dito isto, valeria lembrar o ganho que o acompanhamento musical executado ao vivo oferece ao trabalho. Além de garantir as variações rítmicas que dão cor ao conto posto em cena, os músicos oferecem ainda, sob o olhar das crianças que todos em alguma medida somos, aquele prazer do jogo direto com a arte, que é o jogo da própria invenção, em que conhecemos não apenas o efeito estético como também os meios e as maneiras como ele é feito e acontece.

VII FESTAC / Mostra Semana do Teatro 2015 é uma realização da Federação de Teatro do Acre - FETAC e tem patrocínio da CAIXA / GOVERNO FEDERAL, pelo programa Caixa Cultural de Apoio a Festivais de Teatro e Dança, com parcerias do Governo do Estado do Acre através da Fundação Elias Mansour – FEM, Fundo Estadual de Cultura - FUNCULTURA, PRECULT e Via Verde Shopping, além do apoio da Pizzaria Guia do Sabor, Marcenaria Sulatina, Jornal Opinião e Prefeitura de Rio Branco pela Fundação Garibaldi Brasil – FGB.




















            

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Crítica Solamente Frida (Garotas Marotas/AC)


Vaidades da arte

Kil Abreu

No contexto do VII Festival de teatro do Acre (Festac)

Boa expectativa em torno deste trabalho capitaneado pela atriz Clarisse Baptista em parceria com o boliviano Teatro de los Andes. De Clarisse lembramos a passagem pelo Festival de Curitiba há já uns bons anos. Sua memorável atuação em “Stela do Patrocínio”, uma personagem tão lírica quanto visceral , deixou boquiabertos jornalistas, críticos e o publicão que a descobriu em cena no meio da turba babilônica que ainda hoje é a cara do Festival.

O boliviano Teatro de los Andes é um dos coletivos fundamentais à cena latina desde o início dos anos 90. Daquele momento, ainda sob a liderança artística de Cesar Brie, até a composição atual, é agrupamento em que se pode ver desenhado, em espetáculos como En un sol amarillo (2004) Otra vez Marcelo (2005) e Hamlet de los Andes (2012) um trabalho teatral que cruza relações fundas entre arte e cultura, invenção estética e interesse antropológico, forma artística e meio social. 

Por esta pré-história não seria outra senão a melhor expectativa esta que cerca o encontro artístico atual. E ainda mais quando o ponto de convergência é Frida Kahlo, a controversa artista mexicana que, sendo comunista e tendo enorme interesse pelas raízes culturais de seu país, viveu sitiada por lances dramáticos – dos acidentes e mutilações físicas às dobras quase sempre conturbadas do relacionamento com Diego Rivera. Uma arte, pois, que assimilou por um lado o repertório destes lances íntimos e, por outro, o rico painel imagético inspirado na cultura popular mexicana.

Ao eleger Frida como material de trabalho os vizinhos acre-bolivianos tinham, entre outros, todos estes sugestivos campos abertos à exploração – os da vida e obra da biografada e os da circunstância que reuniu todos estes artistas latinos em um mesmo projeto.

Oratório visual

A narrativa em primeira pessoa faz diálogo, no plano da cena, não só com as fontes de pesquisa que resultaram no espetáculo (os diários autobiográficos) como também com uma das formas essenciais – senão a mais essencial – no trabalho da pintora: o auto retrato. Com uma ou outra passagem exterior ao recurso do monólogo o fundamental está nesta auto expressão encarnada, tendo como moldura o oratório cenográfico pensado pelo encenador Gonzalo Callejas. 

Este altar em homenagem aos mortos, inspirado em tradição mexicana, é amplamente valorizado pela iluminação minuciosa e compõe um quadro plástico de beleza rara, como um suporte do qual emergem e no qual atravessam vez ou outra umas tantas e sugestivas imagens . É o sumo mais aproximado do diálogo entre tema e forma que o espetáculo intenciona fazer.

O arrojo visual do cenário, entretanto, nem sempre encontra correspondência no andamento do espetáculo. O texto, uma coleção de recortes, ajuda a forjar uma dramaturgia livre e contorna o risco das biografias laudatórias e caretas. De fato, nada seria mais estranho diante de uma Frida libertária. Contudo, o mosaico pede invenção para as passagens entre um e outro fragmento, a que a encenação em geral não responde bem. Os quadros respondem melhor quando vistos em si mesmos, mas o trânsito entre eles, ao invés de ritual – como parece ser a proposta – resulta em momentos esquemáticos. E trazem como prejuízo a afirmação de um ritmo que em nada favorece a teatralidade.

Da mesma maneira o trabalho dos dois intérpretes acaba sendo arrastado para essa dinâmica um tanto quanto protocolar. Nonato Tavares tem prejuízo menor porque sua(s) personagen(s) emblemáticas ganham de todo modo a ossatura e o contorno de uma forte presença cênica. Já Clarisse Baptista, ocupada com umas tantas trocas de figurino e as marcas em meio à cenografia, não alcança a dimensão mítica projetada para a sua Frida. Seja porque há tarefas demais para executar em cena ou fora dela, seja porque eventualmente perdemos sua fala (talvez por conta da acústica ruim do teatrão), é uma composição que nos surge entre o superficial e o vaidoso. A superfície é rica em materiais e artifícios, mas a substância de pensamento e o efeito propriamente teatral acabam afogados no próprio espelho. 

Solamente Frida nos aparece, assim, como um poema para os olhos. Em que, no entanto, não se alimenta os outros sentidos com o mesmo vigor observado nestes lugares da plasticidade visual. Em se tratando de Frida Kahlo não deixa de soar como uma contradição flagrante no centro da qual se cria, portanto, um retrato parcial da grande artista.


VII FESTAC / Mostra Semana do Teatro 2015 é uma realização da Federação de Teatro do Acre - FETAC e tem patrocínio da CAIXA  / GOVERNO FEDERAL, pelo programa Caixa Cultural de Apoio a Festivais de Teatro e Dança, com parcerias do Governo do Estado do Acre através da Fundação Elias Mansour – FEM, Fundo Estadual de Cultura - FUNCULTURA, PRECULT e Via Verde Shopping, além do apoio da Pizzaria Guia do Sabor, Marcenaria Sulatina, Jornal Opinião e Prefeitura de Rio Branco pela Fundação Garibaldi Brasil – FGB.



           





quinta-feira, 2 de abril de 2015

Ao Público do VII FESTAC com carinho!


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A Federação de Teatro do Acre - FETAC, realizadora do VII FESTAC agradece com muito carinho ao público que assistiu as apresentações, inclusive nos dias de chuva e que por isso, tornou esta edição do Festival Nacional de Teatro do Acre/Mostra Semana do Teatro 2015 simplesmente, INESQUECÍVEL! Mesmo com as chuvas e as águas de março que não deram trégua, crianças,jovens, adultos e idosos se emocionaram diante das cenas que aconteceram em vários lugares: abrigo, rua, calçadão, mercado, shopping e teatro.

Lembrando que o VII FESTAC contou com o patrocínio da CAIXA / GOVERNO FEDERAL, pelo programa Caixa Cultural de Apoio a Festivais de Teatro e Dança, com parcerias do Governo do Estado do Acre através da Fundação Elias Mansour – FEM, Fundo Estadual de Cultura - FUNCULTURA, PRECULT e Via Verde Shopping, além do apoio da Pizzaria Guia do Sabor, Marcenaria Sulatina, Jornal Opinião e Prefeitura de Rio Branco pela Fundação Garibaldi Brasil – FGB. 
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Nony Maia (Presidente da FETAC)