sexta-feira, 3 de abril de 2015

Crítica Solamente Frida (Garotas Marotas/AC)


Vaidades da arte

Kil Abreu

No contexto do VII Festival de teatro do Acre (Festac)

Boa expectativa em torno deste trabalho capitaneado pela atriz Clarisse Baptista em parceria com o boliviano Teatro de los Andes. De Clarisse lembramos a passagem pelo Festival de Curitiba há já uns bons anos. Sua memorável atuação em “Stela do Patrocínio”, uma personagem tão lírica quanto visceral , deixou boquiabertos jornalistas, críticos e o publicão que a descobriu em cena no meio da turba babilônica que ainda hoje é a cara do Festival.

O boliviano Teatro de los Andes é um dos coletivos fundamentais à cena latina desde o início dos anos 90. Daquele momento, ainda sob a liderança artística de Cesar Brie, até a composição atual, é agrupamento em que se pode ver desenhado, em espetáculos como En un sol amarillo (2004) Otra vez Marcelo (2005) e Hamlet de los Andes (2012) um trabalho teatral que cruza relações fundas entre arte e cultura, invenção estética e interesse antropológico, forma artística e meio social. 

Por esta pré-história não seria outra senão a melhor expectativa esta que cerca o encontro artístico atual. E ainda mais quando o ponto de convergência é Frida Kahlo, a controversa artista mexicana que, sendo comunista e tendo enorme interesse pelas raízes culturais de seu país, viveu sitiada por lances dramáticos – dos acidentes e mutilações físicas às dobras quase sempre conturbadas do relacionamento com Diego Rivera. Uma arte, pois, que assimilou por um lado o repertório destes lances íntimos e, por outro, o rico painel imagético inspirado na cultura popular mexicana.

Ao eleger Frida como material de trabalho os vizinhos acre-bolivianos tinham, entre outros, todos estes sugestivos campos abertos à exploração – os da vida e obra da biografada e os da circunstância que reuniu todos estes artistas latinos em um mesmo projeto.

Oratório visual

A narrativa em primeira pessoa faz diálogo, no plano da cena, não só com as fontes de pesquisa que resultaram no espetáculo (os diários autobiográficos) como também com uma das formas essenciais – senão a mais essencial – no trabalho da pintora: o auto retrato. Com uma ou outra passagem exterior ao recurso do monólogo o fundamental está nesta auto expressão encarnada, tendo como moldura o oratório cenográfico pensado pelo encenador Gonzalo Callejas. 

Este altar em homenagem aos mortos, inspirado em tradição mexicana, é amplamente valorizado pela iluminação minuciosa e compõe um quadro plástico de beleza rara, como um suporte do qual emergem e no qual atravessam vez ou outra umas tantas e sugestivas imagens . É o sumo mais aproximado do diálogo entre tema e forma que o espetáculo intenciona fazer.

O arrojo visual do cenário, entretanto, nem sempre encontra correspondência no andamento do espetáculo. O texto, uma coleção de recortes, ajuda a forjar uma dramaturgia livre e contorna o risco das biografias laudatórias e caretas. De fato, nada seria mais estranho diante de uma Frida libertária. Contudo, o mosaico pede invenção para as passagens entre um e outro fragmento, a que a encenação em geral não responde bem. Os quadros respondem melhor quando vistos em si mesmos, mas o trânsito entre eles, ao invés de ritual – como parece ser a proposta – resulta em momentos esquemáticos. E trazem como prejuízo a afirmação de um ritmo que em nada favorece a teatralidade.

Da mesma maneira o trabalho dos dois intérpretes acaba sendo arrastado para essa dinâmica um tanto quanto protocolar. Nonato Tavares tem prejuízo menor porque sua(s) personagen(s) emblemáticas ganham de todo modo a ossatura e o contorno de uma forte presença cênica. Já Clarisse Baptista, ocupada com umas tantas trocas de figurino e as marcas em meio à cenografia, não alcança a dimensão mítica projetada para a sua Frida. Seja porque há tarefas demais para executar em cena ou fora dela, seja porque eventualmente perdemos sua fala (talvez por conta da acústica ruim do teatrão), é uma composição que nos surge entre o superficial e o vaidoso. A superfície é rica em materiais e artifícios, mas a substância de pensamento e o efeito propriamente teatral acabam afogados no próprio espelho. 

Solamente Frida nos aparece, assim, como um poema para os olhos. Em que, no entanto, não se alimenta os outros sentidos com o mesmo vigor observado nestes lugares da plasticidade visual. Em se tratando de Frida Kahlo não deixa de soar como uma contradição flagrante no centro da qual se cria, portanto, um retrato parcial da grande artista.


VII FESTAC / Mostra Semana do Teatro 2015 é uma realização da Federação de Teatro do Acre - FETAC e tem patrocínio da CAIXA  / GOVERNO FEDERAL, pelo programa Caixa Cultural de Apoio a Festivais de Teatro e Dança, com parcerias do Governo do Estado do Acre através da Fundação Elias Mansour – FEM, Fundo Estadual de Cultura - FUNCULTURA, PRECULT e Via Verde Shopping, além do apoio da Pizzaria Guia do Sabor, Marcenaria Sulatina, Jornal Opinião e Prefeitura de Rio Branco pela Fundação Garibaldi Brasil – FGB.



           





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