segunda-feira, 30 de março de 2015

Crítica - A Feira (GPT/AC)

Uma feira a meio do caminho

Kil Abreu

Lourdes Ramalho, uma das autoras centrais da cena do Nordeste, ainda precisa, mesmo depois de décadas de criação, ser definitivamente colocada entre os grandes do teatro nacional. Ela de fato está além, em importância, do contexto regionalista em que não sem razão costumamos localizá-la. É uma escrita antes de tudo humanista, em que o homem, sob certas condições, aparece como motivo da investigação existencial; e a geografia como fator da problemática social – pelo ambiente em si mas também, e sobretudo, pela teia de relações de poder que nele, como sabemos, se desenvolve. Em uma linhagem de autores paraibanos que inclui Altimar Pimentel e, mais recentemente, Emanuel Nogueira, Lourdes experimenta as possibilidades de um drama e mesmo de uma tragédia em solo nordestino.
A montagem do acreano GPT de A feira com direção de José Maciel, pede algumas considerações a respeito do que se pode notar no texto e as maneiras como ele ganha a cena. A autora vem sendo objeto de trabalho do diretor. O comovente Anáguas, por exemplo, nos mostra a força telúrica e dramática do feminino. Sob o olhar de Maciel a peça ganhou uma versão cênica enxuta, amparada primeiro no ótimo time de atrizes e depois nas escolhas precisas e econômicas do encenador, que construiu um ambiente claustrofóbico envolvendo a plateia para denunciar o sufocamento da vida.
Em A feira aquelas opções por uma cena sintética no sentido da linguagem não se confirmam. Aqui sobressai a indecisão a respeito de qual caminho formal seguir – o que não seria problema se o espetáculo se propusesse experimentar mais deliberadamente o ecletismo de soluções cênicas que, entretanto, surgem como vacilações e não como escolhas artísticas consequentes e afirmadas. Assim, a despeito da sugestão primeira vinda da dramaturgia, no caminho do realismo, este só se cumpre parcialmente: nos figurinos e na maneira com que são concebidas e executadas as interpretações. Em outra frente, luz, música e cenografia seguem outro rumo, o de uma assumida estilização (bastante evidente na escolha dos caixotes de madeira que mudam de sentido e função no decorrer do espetáculo). 
Este meio caminho entre uma e outra coordenada de linguagem resulta no fato de que os campos físico e existencial a serem representados não se concretizam totalmente, não se põem de pé. A feira como local e, enfim, o tumulto daquela paisagem humana que se pode intuir dos diálogos, não se institui cenicamente nem como imagem objetiva nem como campo imagético onde aqueles dramas possam ser lidos. Como há esta vacilação na forma os sentidos e efeitos do espetáculo aparecem também apenas esboçados. Poderíamos ainda seguir em variações mais específicas desta questão central, mas todas terminariam neste mesmo lugar, inclusive o plano das atuações.
Desta cena a meio caminho podemos, ainda assim, levantar uma questão de fundo, que tem a ver com a escolha do texto no contraste com o contexto em que ele agora é representado, o Brasil atual. Sem desmerecer a problemática social da peça - a miséria e, dela decorrente, o esmagamento do humano -, valeria refletir se a dramaturgia, independente das suas qualidades de escrita, mantém o mesmo vigor diante de uma realidade que se por um lado ainda dialoga, infelizmente, com os problemas centrais ali denunciados, por outro já encontra um país que não é o mesmo da época em que o texto foi escrito. É claro que sempre se pode argumentar, com justiça, em defesa de uma arte transcendente, que pela sua autonomia e pelas suas feições poéticas próprias dispensaria contextos para ser fruída Ainda assim seria urgente avaliar se uma cena cuja matéria é enraizada nas circunstâncias e uma dada realidade sobrevive quando esta realidade, mesmo parcialmente, muda.   

VII FESTAC / Mostra Semana do Teatro 2015 é uma realização da Federação de Teatro do Acre - FETAC e tem patrocínio da CAIXA  / GOVERNO FEDERAL, pelo programa Caixa Cultural de Apoio a Festivais de Teatro e Dança, com parcerias do Governo do Estado do Acre através da Fundação Elias Mansour – FEM, Fundo Estadual de Cultura - FUNCULTURA, PRECULT e Via Verde Shopping, além do apoio da Pizzaria Guia do Sabor, Marcenaria Sulatina, Jornal Opinião e Prefeitura de Rio Branco pela Fundação Garibaldi Brasil – FGB.

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